quarta-feira

Percorro com o dedo a curva do teu ombro; cada pedaço da tua pele me impressiona vivamente, a espaços milimétricos vão brotando pintas, pelos, veias e planices; pequenos cenários em que adivinho tesouros guardados, resquícios de beijos, ventos marítimos, perfumes diversos.

A pele é um fino tecido a embalar teu corpo; intriga-me saber que ao tocá-la estou tão perto e distante de tudo - tudo! - que dá forma a ti, aí dentro a origem dos teus gestos, o ar que respiraste arfante ou descansado, as dores todas por que passaste, tua carne nutrida em repastos que desconheço, teu universo tão singular protegido e representado na fragilidade dos poros, células e terminações nervosas que se agrupam e ofereces ao meu toque.

Quando antes de mim o vapor do meu suor alcança o teu me comovo; é como um filho a realidade que criamos juntos, partículas infinitesimais combinando-se tão rápido que sequer percebemos; em cada uma delas um pouco do que sou e do que és e ainda assim nada concreto resta; não há resto, há processo.

Na língua o sal e as células mortas que te recobrem; lamber-te é então um jeito de tomar-te aos bocados; enquanto recebo aberta o que teu corpo expele também me aproprio de ti e te contamino; nos mesclamos aos poucos, lembrança a lembrança, fluído a fluído.

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